Santo Agostinho
9. A ingratidão é um dos frutos imediatos do egoísmo; revolta sempre
os corações honestos; mas a dos filhos em relação aos pais tem um caráter ainda
mais revoltante. É particularmente sob esse ponto de vista que vamos
considerá-la para analisar-lhe as causas e os efeitos.
Também nesta questão, como em tantas
outras, o Espiritismo vem lançar luz sobre um dos problemas do coração humano.
Quando o Espírito deixa a Terra leva
consigo as paixões ou as virtudes de sua natureza e vai para o Espaço se
aperfeiçoar, ou permanece estacionário até que deseje esclarecer-se. Alguns
partiram cheios de ódios violentos e desejos de vingança insatisfeitos. Mas,
pela compreensão que alguns têm, por estarem mais avançados que os outros,
conseguem distinguir algo da verdade e, compreendendo os desastrosos efeitos de
suas paixões, tomam então boas resoluções, reconhecendo que, para chegar até
Deus, há somente um caminho: a caridade. Acontece que não há caridade
sem o esquecimento das ofensas e das injúrias; não há caridade com ódio no
coração e não há caridade sem perdão.
Então, com um grande esforço, observam aqueles que
odiaram na Terra. Ao vê-los, o rancor é intenso. A ideia de terem de esquecer
de si mesmos lhes revolta e revoltam-se ainda mais ao saber que têm que perdoar
e, principalmente, amar aos que talvez lhes tenham destruído a honra, a fortuna
e a própria família. Assim é que o coração desses infortunados está abalado;
hesitam, vacilam, movidos por esses sentimentos opostos. Se a boa resolução
triunfa, oram a Deus, imploram aos bons Espíritos para lhes dar forças no
momento mais decisivo da prova.
Enfim, após alguns anos de meditações e preces, o
Espírito aproveita de um corpo que está em preparo e encarna na família daquele
a quem detestou, pede aos Espíritos encarregados de transmitir as ordens
superiores permissão para realizar na Terra os destinos desse corpo que acaba
de se formar. Qual será então a sua conduta nessa família? Dependerá da maior
ou menor persistência de suas boas resoluções.
O contato incessante com os seres a quem odiou é
uma prova terrível sob a qual ele, às vezes, fracassa, se a sua vontade não for
bastante forte. Desta forma, de acordo com a boa ou má resolução que tomar,
será amigo ou inimigo daqueles no meio dos quais terá que viver. Assim se
explicam ódios, repulsas instintivas, que se notam em algumas crianças, e que
nenhum ato anterior parece justificar; nada, de fato, nessa nova existência
pôde provocar essa antipatia.
Para compreendê-la, é necessário voltar os olhos ao
passado.
Espíritas! Compreendei o grande papel da
Humanidade, compreendei que, quando se gera um corpo, a alma que nele reencarna
vem do Espaço para progredir. Cumpri vossos deveres e colocai todo o vosso amor
em aproximar essa alma de Deus: esta é a missão que vos está confiada e
recebereis a recompensa se a cumprirdes fielmente.
Vossos cuidados, a educação que lhe dareis,
ajudarão o seu aperfeiçoamento e o seu bem-estar futuro. Lembrai-vos de que, a cada
pai e a cada mãe, Deus perguntará: “Que fizestes do filho confiado à vossa
guarda?” Se permaneceu atrasado por vossa culpa, vosso castigo será vê-lo entre
os Espíritos sofredores, quando dependia de vós a sua felicidade. Então, vós
mesmos, atormentados pelo remorso, pedireis para reparar essa falta;
solicitareis uma nova encarnação para vós e para ele na qual o rodeareis de
melhores cuidados, e ele, cheio de reconhecimento, vos retribuirá com o seu
amor.
Não rejeiteis, portanto, o filho que no berço
repele a mãe, nem aquele que vos paga com ingratidão; não foi o acaso que o fez
assim e nem a sorte o enviou para vós. Uma intuição imperfeita do passado se
revela e disso podeis deduzir que um ou outro já odiou muito, ou foi muito
ofendido; que um ou outro veio para perdoar, ser perdoado ou expiar. Mães!
Abraçai o filho que vos causa desgosto e dizei a vós mesmas: um de nós é
culpado. Fazei por merecer os prazeres que Deus concede à maternidade,
ensinando a vossos filhos que eles estão na Terra para se aperfeiçoar, amar e
abençoar, porém, muitas dentre vós, ao invés de tirar pela educação os maus
princípios inatos, de existências anteriores, mantêm e desenvolvem esses mesmos
princípios por culpa da fraqueza com que agem ou por despreocupação, e, mais
tarde, vosso coração, amargurado pela ingratidão dos filhos, será para vós, já
nesta vida, o começo da vossa expiação.
A tarefa não é tão difícil quanto poderíeis pensar;
ela não exige o saber do mundo; tanto o inculto quanto o sábio podem cumpri-la,
e o Espiritismo vem facilitá-la, fazendo-nos conhecer a causa das imperfeições
da alma humana.
Desde o berço, a criança manifesta os instintos
bons ou maus que traz da sua existência anterior; é preciso aplicar-se em estuda-los;
todos os males têm origem no egoísmo e no orgulho; analisai, portanto, os
menores sinais que revelem o gérmen desses vícios, e empenhai-vos em
combatê-los sem esperar que criem raízes profundas; fazei como o bom
jardineiro, que corta os brotos daninhos à medida que os vê nascer na árvore.
Se deixardes desenvolver o egoísmo e o orgulho, não vos espanteis de serdes
mais tarde pagos com ingratidão. Quando os pais fizeram tudo o que deviam para
o adiantamento moral dos filhos, e, apesar de tudo, não alcançaram êxito, sua
consciência poderá ficar tranquila, e é natural o desgosto que sintam por verem
fracassados todos os esforços feitos. Deus lhes reserva uma grande, uma imensa
consolação, na certeza de que isso é apenas um atraso, e que lhes será
permitido terminar, em uma outra existência, a obra começada nesta, e que um
dia o filho ingrato os recompensará com seu amor.
Deus não submete a provas aquele que não as pode
suportar, apenas permite as que podem ser cumpridas. Se fracassamos, não é por
falta de condições, mas por falta de vontade, pois quantos há que, ao invés de
resistir aos maus procedimentos, neles se satisfazem e é a estes que estão
reservados os choros e os gemidos em suas existências posteriores. Admirai, no
entanto, a bondade de Deus, que nunca fecha a porta ao arrependimento. Chegará
o dia em que ao culpado, cansado de sofrer, com o orgulho por fim abatido, Deus
abre seus braços paternais ao filho pródigo, que se lança a seus pés. As
grandes provas, entendei-me bem, são quase sempre o sinal de um fim de
sofrimento e de um aperfeiçoamento do Espírito, quando são aceitas por amor a
Deus. Para o Espírito, é um momento supremo, e é aí que importa não se
lamentar, se não quiser perder o fruto da prova e ter de recomeçar. Ao invés de
lamentardes, agradecei a Deus, que vos oferece a ocasião de vencer para vos dar
o prêmio da vitória. Então, quando sairdes do turbilhão da vida terrena e
entrardes no mundo dos Espíritos, sereis lá aclamados como o soldado que sai vitorioso
da batalha.
De todas as provas, as mais difíceis são aquelas
que afetam o coração; há os que suportam com coragem a miséria e as privações materiais,
mas abatem-se sob o peso dos desgostos domésticos, esmagados pela ingratidão
dos seus. Que angústia terrível! Mas o que pode, nessas situações, reerguer a
coragem moral senão o conhecimento das causas do mal e a certeza de que, se há
longas discórdias, não há desesperos eternos, porque Deus não quer que a sua
criatura sofra para sempre. O que há de mais consolador e mais encorajador do
que o pensamento de que depende só de si mesmo, de seus próprios esforços,
abreviar seu sofrimento, destruindo em si as causas do mal? Mas, para isso, não
se deve estacionar o olhar na
Terra e ver apenas uma existência; é preciso
elevar-se, planar no infinito do passado e do futuro. Então, a grande justiça
de Deus se revelará aos vossos olhos e encarareis a vida com paciência, pois
tereis a explicação do que vos parecia como monstruosidades na Terra, e as feridas
que recebestes apenas vos parecerão arranhões. Nesse golpe de vista lançado
sobre o conjunto, os laços de família aparecem no seu verdadeiro sentido; já
não são mais os frágeis laços da matéria que reúnem os seus membros, mas sim os
laços duráveis do Espírito, que se perpetuam e se consolidam ao se purificarem,
ao invés de se destruírem pelo efeito da reencarnação.
Os Espíritos reúnem-se e formam famílias, induzidos
pela identidade de progresso moral, semelhança de gostos e de afeições.
Esses mesmos Espíritos, nas suas migrações terrenas, procuram-se para se agrupar, como o faziam no espaço, originando-se as famílias unidas e homogêneas. Se, nas suas peregrinações, ficarem temporariamente separados, mais tarde eles se reencontram, felizes com seu novo progresso. Entretanto, como não devem trabalhar apenas para si mesmos, Deus permite que Espíritos menos avançados venham encarnar entre eles a fim de receberem conselhos e bons exemplos para progredirem. Causam, por vezes, perturbações no ambiente, mas é aí que está a prova a executar. Recebei-os como irmãos; ajudai-os e, mais tarde, no mundo dos Espíritos, a família se alegrará por ter salvo alguns náufragos, que, por sua vez, poderão salvar outros.
PARENTES
“Mas se alguém não tem cuidado dos seus e
principalmente
dos da sua família, negou a fé e é pior do que
o infiel.”
Paulo. (1ª Epístola a Timóteo, 5:8.)
A casualidade não se encontra nos laços da
parentela.
Princípios sutis da Lei funcionam nas
ligações consanguíneas.
Impelidos pelas causas do passado a
reunir-nos no presente, é indispensável pagar com alegria os débitos que nos
imanam a alguns corações, a fim de que venhamos a solver nossas dívidas para
com a Humanidade.
Inútil é a fuga dos credores que respiram
conosco sob o mesmo teto, porque o tempo nos aguardará implacável,
constrangendo-nos à liquidação de todos os compromissos.
Temos companheiros de voz adocicada e
edificante na propaganda salvacionista, que se fazem verdadeiros trovões de
intolerância na atmosfera caseira, acumulando energias desequilibradas em torno
das próprias tarefas.
Sem dúvida, a equipe familiar no mundo nem
sempre é um jardim de flores. Por vezes, é um espinheiro de preocupações e de
angústias, reclamando-nos sacrifício. Contudo, embora necessitemos de firmeza
nas atitudes para temperar a afetividade que nos é própria, jamais
conseguiremos sanar as feridas do nosso ambiente particular com o chicote da
violência ou com o emplastro do desleixo.
Consoante à advertência do Apóstolo, se nos
falha o cuidado para com a própria família, estaremos negando a fé.
Os parentes são obras de amor que o Pai
Compassivo nos deu a realizar. Ajudemo-los, através da cooperação e do carinho,
atendendo aos desígnios da verdadeira fraternidade.
Somente adestrando paciência e compreensão, tolerância e bondade, na praia estreita do lar, é que nos habilitaremos a servir com vitória, no mar alto das grandes experiências.
Livro Fonte Viva – Espírito Emmanuel – Médium Chico Xavier.