domingo, 30 de outubro de 2022

DESPRENDIMENTO DOS BENS TERRENOS

Lacordaire - Constantina, Argel, 1863

14. Venho, meus irmãos, meus amigos, trazer meu auxílio para ajudar corajosamente no caminho de melhoria em que entrastes. Somos devedores uns dos outros; somente pela união sincera e fraternal entre os desencarnados e os encarnados é que será possível esse melhoramento.

O apego aos bens terrenos é um dos maiores obstáculos ao vosso adiantamento moral e espiritual; pelo desejo de possuí-los, destruís o sentimento do amor, voltando-o para coisas materiais. Sede sinceros: a riqueza dá uma felicidade pura? Quando vossos cofres estão cheios, não há sempre um vazio no coração? No fundo dessa cesta de flores não há sempre um réptil escondido? Compreendo que um homem, que por um trabalho constante e honrado ganhou a riqueza, experimente uma satisfação, muito justa, que Deus aprova. Porém, daí a um apego que absorva todos os outros sentimentos e provoque a frieza do coração, há uma distância tão grande quanto da avareza sórdida ao esbanjamento exagerado, dois vícios contra os quais Deus colocou a caridade, santa e salutar virtude, que ensina ao rico a dar sem orgulho, para que o pobre receba sem humilhação.

Quer a riqueza se tenha originado de vossa família, quer a tenhais ganho pelo vosso trabalho, há uma coisa que não deveis vos esquecer nunca: tudo o que vem de Deus retorna a Deus. Nada vos pertence na Terra, nem mesmo vosso corpo: a morte vos liberta dele, como de todos os bens materiais. Sois depositários e não proprietários, não vos enganeis. Deus vos emprestou, deveis restituir, e Ele vos empresta sob a condição de que o supérfluo, pelo menos, reverta em favor daqueles que não têm o necessário.

Um dos vossos amigos vos empresta uma soma; por pouco que sejais honesto, tereis a preocupação de lhe restituir o empréstimo, e lhe ficareis agradecido. Pois bem, essa é a posição de todo homem rico: Deus é o amigo celeste que lhe emprestou a riqueza; pede-lhe apenas o amor e o reconhecimento, mas exige que, por sua vez, o rico dê também aos pobres, que são, tanto quanto ele, seus filhos.

O bem que Deus vos confiou desperta em vossos corações uma ardente e desvairada cobiça. Quando vos apegais imoderadamente a uma riqueza tão perecível e passageira quanto vós, já pensastes que chegará o dia em que devereis prestar contas ao Senhor do que Ele vos emprestou? Esqueceis que, pela riqueza, estais revestidos do caráter sagrado de ministros da caridade na Terra para serdes os seus inteligentes distribuidores? Que sois, portanto, quando usais em vosso próprio proveito o que vos foi confiado, senão depositários infiéis? Que resulta desse esquecimento voluntário de vossos deveres? A morte certa, implacável, rasga o véu sob o qual vos escondíeis e vos força a prestar contas até mesmo ao amigo esquecido que vos favoreceu e que, nesse momento, se apresenta diante de vós com a autoridade de juiz.

É em vão que na Terra procurais iludir a vós mesmos, colorindo com o nome de virtude o que frequentemente não passa de egoísmo. O que chamais de economia e previdência não passa de ambição e avareza, e de generosidade, o que não passa de esbanjamento em vosso favor. Um pai de família, por exemplo, ao deixar de fazer a caridade, economizará, amontoará ouro sobre ouro, e isso, diz ele, para deixar a seus filhos a maior quantidade de bens possíveis, e evitar deixá-los na miséria. Isto é bastante justo e paternal, convenhamos, e não se pode censurá-lo por isso, mas será este o objetivo que o orienta? Não é isso frequentemente uma desculpa para com sua consciência, para justificar aos próprios olhos e aos olhos do mundo o apego pessoal aos bens terrenos? Admitindo-se que o amor paternal seja seu único propósito, será motivo para esquecer-se de seus irmãos perante Deus? Se ele mesmo já tem o supérfluo, deixará seus filhos na miséria só porque terão um pouco menos desse supérfluo? Não estará dando-lhes uma lição de egoísmo a endurecer-lhes os corações? Não será sufocar neles o amor ao próximo? Pais e mães, cometeis um grande erro se acreditais que, desse modo, aumentais a afeição de vossos filhos por vós; ao ensinar-lhes a ser egoístas para com os outros, ensinais a sê-lo para convosco.

Quando um homem trabalhou bastante, e com o suor do seu rosto acumulou bens, ouvireis dizer frequentemente que, quando o dinheiro é ganho, sabemos dar-lhe valor. É a mais pura verdade. Pois bem! Que este homem que confessa conhecer todo valor do dinheiro faça a caridade segundo suas possibilidades, e terá maior mérito do que aquele que, nascido na fartura, ignora as rudes fadigas do trabalho. Mas, se esse homem que se recorda de suas lutas, seus esforços, tornar-se egoísta, impiedoso para com os pobres, será bem mais culpado do que aquele outro; pois, quanto mais cada um conhece por si mesmo as dores ocultas da miséria, tanto mais deve se empenhar em ajudar aos outros.

Infelizmente, o homem de posses sempre carrega consigo um outro sentimento tão forte quanto o apego à riqueza: o orgulho. É comum ver-se o novo-rico atormentar o infeliz que implora sua ajuda, com a história de seus trabalhos e suas habilidades, ao invés de ajudá-lo, e por fim dizer-lhe: “faça como eu fiz”. Na sua opinião, a bondade de Deus não influiu em nada na sua riqueza; o mérito cabe somente a ele; seu orgulho põe-lhe uma venda nos olhos e um tampão nos ouvidos. Apesar de toda sua inteligência e toda sua capacidade, não compreende que Deus pode derrubá-lo com uma só palavra.

Desperdiçar a riqueza não é desprendimento dos bens terrenos: é descaso e indiferença. O homem, como depositário desses bens, não tem direito de os esbanjar ou usá-los só em seu proveito. O gasto irresponsável não é generosidade. É, muitas vezes, uma forma de egoísmo. Aquele que esbanja ouro para satisfazer uma fantasia talvez não dê um centavo para prestar auxílio. O desapego aos bens terrenos consiste em apreciar a riqueza no seu justo valor, saber usufruir dela em benefício de todos e não somente para si, em não sacrificar por sua causa os interesses da vida futura e, se Deus a retirar, perdê-la sem reclamar. Se, por infortúnios imprevistos, vos tornardes como Jó, dizei como ele: Senhor, vós me destes, vós me tirastes; que seja feita a vossa vontade. Eis o verdadeiro desprendimento. Sede, antes de tudo, submissos; tende fé n’Aquele que, assim como vos deu e tirou, pode devolver-vos; resisti com coragem ao abatimento, ao desespero que paralisa vossas forças; não vos esqueçais nunca de que, quando Deus vos prova por uma aflição, sempre coloca uma consolação ao lado de uma rude prova. Pensai também que há bens infinitamente mais preciosos do que os da Terra, e esse pensamento vos ajudará a desapegar destes últimos. Quanto menos valor se dá a uma coisa, menos sensível se fica à sua perda. O homem que se apega aos bens da Terra é como uma criança que apenas vê o momento presente; aquele que não é apegado é como o adulto, que vê coisas mais importantes, pois compreende essas palavras proféticas do Salvador: Meu reino não é deste mundo.

O Senhor não ordena a ninguém desfazer-se do que possua para se reduzir a mendigo voluntário, porque, então, se tornaria uma carga para a sociedade. Agir desse modo seria compreender mal o desprendimento aos bens terrenos; é um egoísmo de outro modo. Seria fugir à responsabilidade que a riqueza faz pesar sobre aquele que a possui. Deus a dá a quem Lhe parece ser bom para administrá-la em benefício de todos; o rico tem, portanto, uma missão que pode tornar-se bela e proveitosa para si mesmo. Rejeitar a riqueza, quando é dada por Deus, é renunciar ao benefício do bem que se pode fazer administrando-a com sabedoria. Saber passar sem ela quando não a temos, saber empregá-la utilmente quando a recebemos, saber sacrificá-la quando for necessário é agir de acordo com a vontade do Senhor. Que diga, pois, aquele que recebe o que o mundo chama de uma boa fortuna: meu Deus, vós me enviastes um novo encargo; dai-me a força para desempenhá-lo conforme vossa santa vontade.

Eis, meus amigos, o que vos queria ensinar quanto ao desprendimento dos bens terrenos; posso resumir dizendo: contentai-vos com pouco. Se sois pobres, não invejeis aos ricos, pois a riqueza não é necessária para a felicidade. Sois ricos, não vos esqueçais de que vossos bens vos foram confiados, e que deveis justificar o seu emprego, como uma prestação de contas de um empréstimo. Não sejais depositários infiéis, fazendo com que eles sirvam apenas para a satisfação de vosso orgulho e sensualidade; não vos acrediteis com o direito de dispor para vós unicamente o que recebestes, não como doação, mas somente como um empréstimo. Se não sabeis restituir, não tendes o direito de pedir, e lembrai-vos de que aquele que dá aos pobres salda a dívida que contrai para com Deus.

POSSUIMOS O QUE DAMOS

“É mais bem-aventurado dar do que receber.”

Paulo. (Atos, 20:35.)

Quando alguém se refere à passagem evangélica que considera a ação de dar mais alta bem-aventurança que a ação de receber, quase todos os aprendizes da Boa Nova se recordam da palavra “dinheiro”.

Sem dúvida, em nos reportando aos bens materiais, há sempre mais alegria em ajudar que em ser ajudado, contudo, é imperioso não esquecer os bens espirituais que, irradiados de nós mesmos, aumentam o teor e a intensidade da alegria em torno de nossos passos.

Quem dá recolhe a felicidade de ver a multiplicação daquilo que deu.

Oferece a gentileza e encorajarás a plantação da fraternidade.

Estende a bênção do perdão e fortalecerás a justiça.

Administra a bondade e terás o crescimento da confiança.

Dá o teu bom exemplo e garantirás a nobreza do caráter.

Os recursos da Criação são distribuídos pelo Criador com as criaturas a fim de que, em doação permanente, se multipliquem ao Infinito.

Serás ajudado pelo Céu, conforme estiveres ajudando na Terra.

Possuímos aquilo que damos.

Não te esqueças, pois, de que és mordomo da vida em que te encontras.

Cede ao próximo algo mais que o dinheiro de que possas dispor.

Dá também teu interesse afetivo, tua saúde, tua alegria e teu tempo e, em verdade, entrarás na posse dos sublimes dons do amor, do equilíbrio, da felicidade e da paz, hoje e amanhã, neste mundo e na vida eterna.

Livro Fonte Viva – Médium Chico Xavier – Espírito Emmanuel.

domingo, 23 de outubro de 2022

A VERDADEIRA PROPRIEDADE

9. Verdadeiramente, o homem só possui como seu aquilo que pode levar deste mundo. Do que encontra ao chegar e do que deixa ao partir, desfruta durante sua permanência na Terra. Mas, forçado que é a abandonar tudo, tem apenas o usufruto e não a posse real. O que é, afinal, que ele possui? Nada do que se destina ao uso do corpo e tudo o que se refere ao uso da alma: a inteligência, os conhecimentos, as qualidades morais. Isso é o que traz e o que leva, e que ninguém tem o poder de lhe tirar, que servirá a ele no outro mundo, muito mais do que neste. Dependerá dele ser mais rico em sua partida do que quando chegou, visto que, do que tiver adquirido em bens morais, resultará a sua posição futura. Quando um homem viaja para um país distante, arruma sua bagagem de acordo com o uso daquele país; não carrega o que lhe será inútil. Fazei, pois, o mesmo, em relação à vida futura e fazei provisões de tudo o que poderá vos servir lá.

Ao viajante que chega a uma estalagem é dado um bom alojamento, se puder pagar; àquele que tem pouca coisa, é dado um pior; quanto àquele que nada tem, é deixado ao relento. Assim acontece ao homem quando chega no mundo dos Espíritos: o lugar para onde irá depende de suas posses; mas não é com ouro que pode pagar. Ninguém irá perguntar-lhe: Quanto tinhas na Terra? Que posição ocupavas? Eras príncipe ou operário? Mas pergunta: O que trazes? Não será computado nem o valor de seus bens nem o de seus títulos, mas, sim, a soma de suas virtudes; portanto, é desse modo que o operário pode ser mais rico do que o príncipe. Em vão alegará o homem que antes de sua partida pagou sua entrada no outro mundo com ouro, pois terá como resposta: os lugares daqui não são comprados, são obtidos pelo bem que se fez; com a moeda terrestre, pudestes comprar campos, casas, palácios; aqui, tudo é pago com as qualidades da alma. És rico dessas qualidades? Sê bem-vindo, e vai aos primeiros lugares, onde todas as felicidades te esperam. És pobre delas? Vai para os últimos lugares, onde serás tratado de acordo com as tuas posses.

10. Os bens da Terra pertencem a Deus, que os distribui de acordo com sua vontade, e o homem é apenas seu usufrutuário, um administrador mais ou menos íntegro e inteligente. Tanto assim é que não constituem esses bens propriedade individual do homem e que Deus frequentemente frustra todas as previsões, e a riqueza escapa daquele que acredita possuí-la por direito.

Podeis pensar que isso se compreende em relação aos bens hereditários, mas que não ocorre o mesmo em relação à riqueza que o homem adquiriu por seu trabalho. Sem dúvida alguma, se há riqueza legítima, é a que foi adquirida honestamente, pois uma propriedade é apenas adquirida honestamente, quando, para possuí-la, não se faz o mal a ninguém. Serão exigidas rigorosas contas de todo dinheiro mal ganho, isto é, ganho em prejuízo de alguém. Mas por que um homem conquistou sua riqueza por si mesmo, terá alguma vantagem ao morrer? Os cuidados que toma ao transmiti-la a seus descendentes não são muitas vezes inúteis? Sim, sem dúvida, pois, se Deus não quiser que estes a recebam, nada poderá prevalecer contra Sua vontade. Pode o homem usar e abusar dela impunemente, durante sua vida, sem prestar contas? Não; permitindo-lhe adquiri-la, Deus pôde querer recompensá-lo, durante esta vida, por seus esforços, coragem, perseverança. Se a utilizar para servir apenas à satisfação de seus sentidos ou de seu orgulho, se ela se torna um motivo de queda em suas mãos, melhor seria não a ter possuído, pois perde o que ganhou e, ainda, anula todo o mérito de seu trabalho, e, quando deixar a Terra, Deus lhe dirá que já recebeu sua recompensa.

EM PEREGRINAÇÃO

"Porque não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a futura." -

Paulo. (HEBREUS, 13:14.)

Risível é o instinto de apropriação indébita que assinala a maioria dos homens.

Não será a Terra comparável a grande carro cósmico, onde se encontra o espírito em viagem educativa?

Se a criatura permanece na abastança material, apenas excursiona em aposentos mais confortáveis.

Se respira na pobreza, viaja igualmente com vistas ao mesmo destino, apesar da condição de segunda classe transitória.

Se apresenta notável figuração física, somente enverga efêmera vestidura de aspecto mais agradável, através de curto tempo, na jornada empreendida.

Se exibe traços menos belos ou caracterizados de evidentes imperfeições, vale-se de indumentária tão passageira quanto a mais linda roupagem do próximo, na peregrinação em curso.

Por mais que o impulso de propriedade ateie fogueiras de perturbações e discórdias, na maquinaria do mundo, a realidade é que homem algum possui no chão do Planeta domicílio permanente. Todos os patrimônios materiais a que se atira, ávido de possuir, se desgastam e transformam. Nos bens que incorpora ao seu nome, até o corpo que julga exclusivamente seu, ocorrem modificações cada dia, impelindo-o a renovar-se e melhorar-se para a eternidade.

Se não estás cego, pois, para as leis da vida, se já despertaste para o entendimento superior, examina, a tempo, onde te deixará, provisoriamente, o comboio da experiência humana, nas súbitas paradas da morte.

Livro Vinha de Luz – Médium Chico Xavier – Espírito Emmanuel.

domingo, 16 de outubro de 2022

DESIGUALDADE DAS RIQUEZAS.

8.
A desigualdade das riquezas é um desses problemas que se procura resolver em vão, desde que se considere apenas a vida atual. A principal questão que se apresenta é esta: por que todos os homens não são igualmente ricos? Eles não o são por uma razão muito simples: porque não são igualmente inteligentes, ativos e laboriosos para adquirir, nem moderados e previdentes para conservar. Está matematicamente demonstrado que, se a riqueza fosse igualmente repartida, daria a cada qual uma parte mínima e insuficiente; supondo-se que essa divisão fosse feita, o equilíbrio seria rompido em pouco tempo, pelas diferenças de qualidade e de aptidões de cada um; que, se isso fosse possível e durável, cada um tendo somente o necessário para viver, resultaria na destruição de todos os grandes trabalhos que contribuem para o progresso e bem-estar da Humanidade; que, ao supor que ela daria a cada um o necessário, não haveria mais o estímulo que impulsiona o homem às grandes descobertas e aos empreendimentos úteis. Se Deus a concentra em certos pontos, é para que dali ela se expanda em quantidade suficiente, de acordo com as necessidades.

Admitindo-se isto, pergunta-se: Por que Deus a dá a pessoas incapazes de fazê-la frutificar para o bem de todos? É novamente uma prova da sabedoria e da bondade de Deus. Dando ao homem o livre arbítrio, quis que ele chegasse, por sua própria ação, a estabelecer a diferença entre o bem e o mal, de tal forma que a prática do bem fosse o resultado de seus esforços e de sua própria vontade. O homem não deve ser conduzido fatalmente nem ao bem, nem ao mal, porque seria apenas um ser passivo e irresponsável, como os animais. A riqueza é um meio de colocá-lo à prova moralmente; mas, como ela é, ao mesmo tempo, um poderoso meio de ação para o progresso, Deus não quer que ela fique por muito tempo improdutiva, e eis por que a transfere incessantemente. Cada qual deve possuí-la para aprender a utilizá-la e demonstrar que uso dela saberá fazer. Mas há uma impossibilidade material de que todos a possuam ao mesmo tempo. Se todas as pessoas a possuíssem, ninguém trabalharia, e o melhoramento da Terra sofreria com isso. Essa é a razão de cada um a possuir por sua vez. Desta maneira, aquele que hoje não a tem, já a teve ou a terá em uma outra existência, e outro que a tem agora poderá não ter mais amanhã. Há ricos e pobres, porque Deus, sendo justo como é, determina a cada um trabalhar por sua vez. A pobreza é para uns a prova de paciência e resignação; a riqueza é para outros a prova de caridade e abnegação.

Lamenta-se, com razão, o péssimo uso que algumas pessoas fazem de suas riquezas, as vergonhosas paixões que a cobiça desperta, e pergunta-se: Deus é justo ao dar a riqueza a tais pessoas? É claro que, se o homem tivesse apenas uma existência, nada justificaria tal repartição dos bens da Terra; entretanto, se ao invés de limitar sua visão à vida presente, considerar o conjunto das existências, vê que tudo se equilibra com justiça. Assim, o pobre não tem motivos para acusar a Providência, nem de invejar os ricos, e nem estes têm motivos para vangloriar-se do que possuem. Se abusam da riqueza, não será nem com decretos, nem com leis que limitem o supérfluo e o luxo que se poderá remediar o mal. As leis podem momentaneamente modificar o exterior, mas não o coração; eis por que essas leis têm apenas uma duração temporária e são sempre seguidas de uma reação desenfreada. A origem do mal está no egoísmo e no orgulho; os abusos de toda espécie cessarão por si mesmos, quando os homens deixarem-se reger pela lei da caridade.

BENS EXTERNOS

“A vida de um homem não consiste na abundância das coisas que possui.”

Jesus. (Lucas, cap. 12, vers. 15.)

“A vida de um homem não consiste na abundância das coisas que possui.”

A palavra do Mestre está cheia de oportunidade para quaisquer círculos de atividade humana, em todos os tempos.

Um homem poderá reter vasta porção de dinheiro. Porém, que fará dele?

Poderá exercer extensa autoridade. Entretanto, como se comportará dentro dela?

Poderá dispor de muitas propriedades. Todavia, de que modo utiliza os patrimônios provisórios?

Terá muitos projetos elevados. Quantos edificou?

Poderá guardar inúmeros ideais de perfeição. Mas estará atendendo aos nobres princípios de que é portador?

Terá escrito milhares de páginas. Qual a substância de sua obra?

Contará muitos anos de existência no corpo. No entanto, que fez do tempo?

Poderá contar com numerosos amigos. Como se conduz perante as afeições que o cercam?

Nossa vida não consiste da riqueza numérica de coisas e graças, aquisições nominais e títulos exteriores. Nossa paz e felicidade dependem do uso que fizermos, onde nos encontramos hoje, aqui e agora, das oportunidades e dons, situações e favores, recebidos do Altíssimo.

Não procures amontoar levianamente o que deténs por empréstimo.

Mobiliza, com critério, os recursos depositados em tuas mãos.

O Senhor não te identificará pelos tesouros que ajuntaste, pelas bênçãos que retiveste, pelos anos que viveste no corpo físico. Reconhecer-te-á pelo emprego dos teus dons, pelo valor de tuas realizações e pelas obras que deixaste, em torno dos próprios pés.

Livro Caminho, Verdade e Vida – Médium Chico Xavier – Espírito Emmanuel. 

domingo, 9 de outubro de 2022

UTILIDADE PROVIDENCIAL DA RIQUEZA. PROVAS DA RIQUEZA E DA MISÉRIA.

7. A riqueza se tornaria um obstáculo absoluto à salvação daqueles que a possuem se interpretarmos ao pé da letra certas palavras de Jesus e não procurarmos entender o seu sentido. Deus, que a distribuiu, teria colocado nas mãos de alguns um meio inevitável de perdição, pensamento que contraria a razão. A riqueza é, sem dúvida, uma prova bastante arriscada, mais perigosa do que a miséria, em virtude das excitações, das tentações que oferece e da fascinação que exerce. É o supremo excitante do orgulho, do egoísmo e da vida sensual; é o laço mais forte que prende o homem à Terra e desvia seus pensamentos do Céu. Causa tamanha perturbação, que se vê, frequentemente, aquele que passa da miséria à fortuna esquecer-se depressa da sua condição anterior, daqueles que foram seus companheiros, que o ajudaram, tornando-se insensível, egoísta e fútil. Mas, embora a riqueza dificulte o caminho, não significa que o torne impossível e não possa vir a ser até um meio de salvação nas mãos daquele que dela sabe fazer bom uso, tal como certos venenos que restabelecem a saúde, quando empregados apropriadamente e com equilíbrio.

Quando Jesus responde ao jovem que o interrogava sobre os meios de alcançar a vida eterna: desfazei-vos de todos os vossos bens e segui-me, não pretendia estabelecer como condição absoluta que cada um deva se desfazer do que possui, e que a salvação só se consegue a esse preço, mas mostrar que o amor possessivo aos bens terrenos é um obstáculo à salvação. Aquele jovem, de fato, julgava-se quite com a lei, porque havia cumprido certos mandamentos e, no entanto, recua perante a ideia de abandonar seus bens; seu desejo de alcançar a vida eterna não ia até ao sacrifício de desfazer-se do que possuía.

A proposta de Jesus era uma questão decisiva para esclarecer o pensamento do jovem. Ele podia, sem dúvida, ser um padrão de homem honesto perante o mundo, não fazer o mal a ninguém, não maldizer seu próximo, não ser nem leviano, fútil ou orgulhoso, honrar seu pai e sua mãe; mas não possuía a verdadeira caridade, pois sua virtude não chegava até a renúncia em favor do próximo. O que Jesus quis demonstrar era uma aplicação do princípio: fora da caridade não há salvação.

A consequência destas palavras, se consideradas ao pé da letra, em seu exato sentido, seria a abolição da riqueza por ser prejudicial à felicidade futura, e como causa de incontáveis males na Terra. Seria também a condenação do trabalho que a pode conquistar. Isto seria um absurdo, uma vez que reconduziria o homem à vida selvagem, e que estaria em contradição com a lei do progresso, que é uma Lei de Deus.

Se a riqueza é a fonte de muitos males, se provoca tantas más paixões e tantos crimes, não é a ela que devemos culpar, e sim ao homem que dela abusa, como abusa de todos os dons que Deus lhe dá. Esse abuso torna ruim o que lhe poderia ser útil. É a consequência do estado de inferioridade do mundo terreno. Se a riqueza devesse apenas produzir o mal, Deus não a colocaria na Terra; cabe ao homem fazer dela surgir o bem. Se ela não é um elemento direto do progresso moral, é, sem contestação, um poderoso elemento de progresso intelectual.

De fato, o homem tem por missão trabalhar para o melhoramento material da Terra; deve desbravá-la, prepará-la e saneá-la para um dia receber toda a população que sua extensão comporta; para alimentar toda essa população que cresce sem cessar, é preciso aumentar sua produção; se a produção de uma região é insuficiente, é preciso procurá-la fora. Por isso mesmo, as relações entre os povos tornam-se uma necessidade; para facilitá-las, é preciso destruir os obstáculos materiais que as separam, e tornar as comunicações mais rápidas. Para os trabalhos das gerações, que se realizam no decorrer dos séculos, o homem teve de extrair materiais das próprias entranhas da Terra; procurou na Ciência os meios de executá-los mais segura e rapidamente; mas, para fazê-los cumprir, necessitava de recursos: a necessidade fez com que criasse a riqueza, assim como ela o fez descobrir a Ciência. A atividade exigida para esses mesmos trabalhos aumenta e desenvolve sua inteligência; essa inteligência, que ele a princípio concentra na satisfação das necessidades materiais, o ajudará mais tarde a compreender as grandes verdades morais. Sem a riqueza, que é o principal meio de realização das necessidades do homem, não haveria grandes trabalhos, nem atividades, nem estímulos, nem pesquisas. É, com razão, que ela é considerada um elemento de progresso.

"Mas os cuidados deste mundo, os enganos das riquezas e as ambições doutras coisas, entrando, sufocam a palavra, que fica infrutífera." - Jesus. (MARCOS, 4:19.)

A árvore da fé viva não cresce no coração, miraculosamente.

Qual acontece na vida comum, o Criador dá tudo, mas não prescinde do esforço da criatura.

Qualquer planta útil reclama especial atenção no desenvolvimento.

Indispensável cogitar-se do trabalho de proteção, auxílio e defesa.

Estacadas, adubos, vigilância, todos os fatores de preservação devem ser postos em movimento, a fim de que o vegetal precioso atinja os fins a que se destina.

A conquista da crença edificante não é serviço de menor esforço.

A maioria das pessoas admite que a fé constitua milagrosa auréola doada a alguns espíritos privilegiados pelo favor divino.

Isso, contudo, é um equívoco de lamentáveis consequências.

A sublime virtude é construção do mundo interior, em cujo desdobramento cada aprendiz funciona como orientador, engenheiro e operário de si mesmo.

Não se faz possível a realização, quando excessivas ansiedades terrestres, de parceria com enganos e ambições inferiores, torturam o campo íntimo, à maneira de vermes e malfeitores, atacando a obra.

A lição do Evangelho é semente viva.

O coração humano é receptivo, tanto quanto a terra.

É imprescindível tratar a planta divina com desvelada ternura e instinto enérgico de defesa.

Há muitos perigos sutis contra ela, quais sejam os tóxicos dos maus livros, as opiniões ociosas, as discussões excitantes, o hábito de analisar os outros antes do autoexame.

Ninguém pode, pois, em sã consciência, transferir, de modo integral, a vibração da fé ao espírito alheio, porque, realmente, isso é tarefa que compete a cada um.

Livro Vinha de Luz – Médium Chico Xavier – Espírito Emmanuel.