domingo, 30 de outubro de 2022

DESPRENDIMENTO DOS BENS TERRENOS

Lacordaire - Constantina, Argel, 1863

14. Venho, meus irmãos, meus amigos, trazer meu auxílio para ajudar corajosamente no caminho de melhoria em que entrastes. Somos devedores uns dos outros; somente pela união sincera e fraternal entre os desencarnados e os encarnados é que será possível esse melhoramento.

O apego aos bens terrenos é um dos maiores obstáculos ao vosso adiantamento moral e espiritual; pelo desejo de possuí-los, destruís o sentimento do amor, voltando-o para coisas materiais. Sede sinceros: a riqueza dá uma felicidade pura? Quando vossos cofres estão cheios, não há sempre um vazio no coração? No fundo dessa cesta de flores não há sempre um réptil escondido? Compreendo que um homem, que por um trabalho constante e honrado ganhou a riqueza, experimente uma satisfação, muito justa, que Deus aprova. Porém, daí a um apego que absorva todos os outros sentimentos e provoque a frieza do coração, há uma distância tão grande quanto da avareza sórdida ao esbanjamento exagerado, dois vícios contra os quais Deus colocou a caridade, santa e salutar virtude, que ensina ao rico a dar sem orgulho, para que o pobre receba sem humilhação.

Quer a riqueza se tenha originado de vossa família, quer a tenhais ganho pelo vosso trabalho, há uma coisa que não deveis vos esquecer nunca: tudo o que vem de Deus retorna a Deus. Nada vos pertence na Terra, nem mesmo vosso corpo: a morte vos liberta dele, como de todos os bens materiais. Sois depositários e não proprietários, não vos enganeis. Deus vos emprestou, deveis restituir, e Ele vos empresta sob a condição de que o supérfluo, pelo menos, reverta em favor daqueles que não têm o necessário.

Um dos vossos amigos vos empresta uma soma; por pouco que sejais honesto, tereis a preocupação de lhe restituir o empréstimo, e lhe ficareis agradecido. Pois bem, essa é a posição de todo homem rico: Deus é o amigo celeste que lhe emprestou a riqueza; pede-lhe apenas o amor e o reconhecimento, mas exige que, por sua vez, o rico dê também aos pobres, que são, tanto quanto ele, seus filhos.

O bem que Deus vos confiou desperta em vossos corações uma ardente e desvairada cobiça. Quando vos apegais imoderadamente a uma riqueza tão perecível e passageira quanto vós, já pensastes que chegará o dia em que devereis prestar contas ao Senhor do que Ele vos emprestou? Esqueceis que, pela riqueza, estais revestidos do caráter sagrado de ministros da caridade na Terra para serdes os seus inteligentes distribuidores? Que sois, portanto, quando usais em vosso próprio proveito o que vos foi confiado, senão depositários infiéis? Que resulta desse esquecimento voluntário de vossos deveres? A morte certa, implacável, rasga o véu sob o qual vos escondíeis e vos força a prestar contas até mesmo ao amigo esquecido que vos favoreceu e que, nesse momento, se apresenta diante de vós com a autoridade de juiz.

É em vão que na Terra procurais iludir a vós mesmos, colorindo com o nome de virtude o que frequentemente não passa de egoísmo. O que chamais de economia e previdência não passa de ambição e avareza, e de generosidade, o que não passa de esbanjamento em vosso favor. Um pai de família, por exemplo, ao deixar de fazer a caridade, economizará, amontoará ouro sobre ouro, e isso, diz ele, para deixar a seus filhos a maior quantidade de bens possíveis, e evitar deixá-los na miséria. Isto é bastante justo e paternal, convenhamos, e não se pode censurá-lo por isso, mas será este o objetivo que o orienta? Não é isso frequentemente uma desculpa para com sua consciência, para justificar aos próprios olhos e aos olhos do mundo o apego pessoal aos bens terrenos? Admitindo-se que o amor paternal seja seu único propósito, será motivo para esquecer-se de seus irmãos perante Deus? Se ele mesmo já tem o supérfluo, deixará seus filhos na miséria só porque terão um pouco menos desse supérfluo? Não estará dando-lhes uma lição de egoísmo a endurecer-lhes os corações? Não será sufocar neles o amor ao próximo? Pais e mães, cometeis um grande erro se acreditais que, desse modo, aumentais a afeição de vossos filhos por vós; ao ensinar-lhes a ser egoístas para com os outros, ensinais a sê-lo para convosco.

Quando um homem trabalhou bastante, e com o suor do seu rosto acumulou bens, ouvireis dizer frequentemente que, quando o dinheiro é ganho, sabemos dar-lhe valor. É a mais pura verdade. Pois bem! Que este homem que confessa conhecer todo valor do dinheiro faça a caridade segundo suas possibilidades, e terá maior mérito do que aquele que, nascido na fartura, ignora as rudes fadigas do trabalho. Mas, se esse homem que se recorda de suas lutas, seus esforços, tornar-se egoísta, impiedoso para com os pobres, será bem mais culpado do que aquele outro; pois, quanto mais cada um conhece por si mesmo as dores ocultas da miséria, tanto mais deve se empenhar em ajudar aos outros.

Infelizmente, o homem de posses sempre carrega consigo um outro sentimento tão forte quanto o apego à riqueza: o orgulho. É comum ver-se o novo-rico atormentar o infeliz que implora sua ajuda, com a história de seus trabalhos e suas habilidades, ao invés de ajudá-lo, e por fim dizer-lhe: “faça como eu fiz”. Na sua opinião, a bondade de Deus não influiu em nada na sua riqueza; o mérito cabe somente a ele; seu orgulho põe-lhe uma venda nos olhos e um tampão nos ouvidos. Apesar de toda sua inteligência e toda sua capacidade, não compreende que Deus pode derrubá-lo com uma só palavra.

Desperdiçar a riqueza não é desprendimento dos bens terrenos: é descaso e indiferença. O homem, como depositário desses bens, não tem direito de os esbanjar ou usá-los só em seu proveito. O gasto irresponsável não é generosidade. É, muitas vezes, uma forma de egoísmo. Aquele que esbanja ouro para satisfazer uma fantasia talvez não dê um centavo para prestar auxílio. O desapego aos bens terrenos consiste em apreciar a riqueza no seu justo valor, saber usufruir dela em benefício de todos e não somente para si, em não sacrificar por sua causa os interesses da vida futura e, se Deus a retirar, perdê-la sem reclamar. Se, por infortúnios imprevistos, vos tornardes como Jó, dizei como ele: Senhor, vós me destes, vós me tirastes; que seja feita a vossa vontade. Eis o verdadeiro desprendimento. Sede, antes de tudo, submissos; tende fé n’Aquele que, assim como vos deu e tirou, pode devolver-vos; resisti com coragem ao abatimento, ao desespero que paralisa vossas forças; não vos esqueçais nunca de que, quando Deus vos prova por uma aflição, sempre coloca uma consolação ao lado de uma rude prova. Pensai também que há bens infinitamente mais preciosos do que os da Terra, e esse pensamento vos ajudará a desapegar destes últimos. Quanto menos valor se dá a uma coisa, menos sensível se fica à sua perda. O homem que se apega aos bens da Terra é como uma criança que apenas vê o momento presente; aquele que não é apegado é como o adulto, que vê coisas mais importantes, pois compreende essas palavras proféticas do Salvador: Meu reino não é deste mundo.

O Senhor não ordena a ninguém desfazer-se do que possua para se reduzir a mendigo voluntário, porque, então, se tornaria uma carga para a sociedade. Agir desse modo seria compreender mal o desprendimento aos bens terrenos; é um egoísmo de outro modo. Seria fugir à responsabilidade que a riqueza faz pesar sobre aquele que a possui. Deus a dá a quem Lhe parece ser bom para administrá-la em benefício de todos; o rico tem, portanto, uma missão que pode tornar-se bela e proveitosa para si mesmo. Rejeitar a riqueza, quando é dada por Deus, é renunciar ao benefício do bem que se pode fazer administrando-a com sabedoria. Saber passar sem ela quando não a temos, saber empregá-la utilmente quando a recebemos, saber sacrificá-la quando for necessário é agir de acordo com a vontade do Senhor. Que diga, pois, aquele que recebe o que o mundo chama de uma boa fortuna: meu Deus, vós me enviastes um novo encargo; dai-me a força para desempenhá-lo conforme vossa santa vontade.

Eis, meus amigos, o que vos queria ensinar quanto ao desprendimento dos bens terrenos; posso resumir dizendo: contentai-vos com pouco. Se sois pobres, não invejeis aos ricos, pois a riqueza não é necessária para a felicidade. Sois ricos, não vos esqueçais de que vossos bens vos foram confiados, e que deveis justificar o seu emprego, como uma prestação de contas de um empréstimo. Não sejais depositários infiéis, fazendo com que eles sirvam apenas para a satisfação de vosso orgulho e sensualidade; não vos acrediteis com o direito de dispor para vós unicamente o que recebestes, não como doação, mas somente como um empréstimo. Se não sabeis restituir, não tendes o direito de pedir, e lembrai-vos de que aquele que dá aos pobres salda a dívida que contrai para com Deus.

POSSUIMOS O QUE DAMOS

“É mais bem-aventurado dar do que receber.”

Paulo. (Atos, 20:35.)

Quando alguém se refere à passagem evangélica que considera a ação de dar mais alta bem-aventurança que a ação de receber, quase todos os aprendizes da Boa Nova se recordam da palavra “dinheiro”.

Sem dúvida, em nos reportando aos bens materiais, há sempre mais alegria em ajudar que em ser ajudado, contudo, é imperioso não esquecer os bens espirituais que, irradiados de nós mesmos, aumentam o teor e a intensidade da alegria em torno de nossos passos.

Quem dá recolhe a felicidade de ver a multiplicação daquilo que deu.

Oferece a gentileza e encorajarás a plantação da fraternidade.

Estende a bênção do perdão e fortalecerás a justiça.

Administra a bondade e terás o crescimento da confiança.

Dá o teu bom exemplo e garantirás a nobreza do caráter.

Os recursos da Criação são distribuídos pelo Criador com as criaturas a fim de que, em doação permanente, se multipliquem ao Infinito.

Serás ajudado pelo Céu, conforme estiveres ajudando na Terra.

Possuímos aquilo que damos.

Não te esqueças, pois, de que és mordomo da vida em que te encontras.

Cede ao próximo algo mais que o dinheiro de que possas dispor.

Dá também teu interesse afetivo, tua saúde, tua alegria e teu tempo e, em verdade, entrarás na posse dos sublimes dons do amor, do equilíbrio, da felicidade e da paz, hoje e amanhã, neste mundo e na vida eterna.

Livro Fonte Viva – Médium Chico Xavier – Espírito Emmanuel.

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