domingo, 21 de junho de 2020

NÃO VIM TRAZER A PAZ, MAS A DIVISÃO


9. Não penseis que vim trazer a paz à Terra; não vim trazer a paz e, sim, a espada; pois vim separar o homem de seu pai, a filha de sua mãe e a nora da sogra; e o homem terá como inimigos aqueles de sua casa. (Mateus, 10:34 a 36)
10. Vim lançar o fogo à Terra; e o que mais desejo senão que ele se acenda? Devo ser batizado com um batismo, e quão grande é minha angústia até que ele se cumpra!
Acreditais que vim trazer a paz à Terra? Não, eu vos asseguro, mas, pelo contrário, a divisão; pois, de hoje em diante, se se encontrarem cinco pessoas em uma casa, ficarão umas contra as outras: três contra duas e duas contra três. O pai contra o filho, e o filho contra o pai; a mãe contra a filha, e a filha contra a mãe; a sogra contra a nora, e a nora contra a sogra. (Lucas, 12:49 a 53)
11. Será mesmo possível que Jesus, a personificação da doçura e da bondade, aquele que sempre pregou o amor ao próximo, tenha dito: Não vim trazer a paz, e sim a espada; vim separar o filho do pai, o esposo da esposa; vim lançar o fogo à Terra e tenho pressa de que ele se acenda? Estas palavras não estão em flagrante contradição com seu ensinamento? Não é uma blasfêmia atribuir-lhe a linguagem de um conquistador sanguinário e devastador? Não. Não há blasfêmia nem contradição nestas palavras, pois foi exatamente Ele quem as pronunciou, e elas testemunham sua alta sabedoria. Apenas a forma causa estranheza, por não expressar exatamente seu pensamento, o que provocou enganos quanto ao seu verdadeiro sentido. Tomadas ao pé da letra, tenderiam a transformar sua missão, totalmente pacífica, em uma missão de perturbação e discórdias, consequência absurda que o bom-senso descarta, pois Jesus não podia contradizer-se.
12. Toda ideia nova encontra forçosamente oposição, e não houve uma única que se estabelecesse sem lutas. Nestes casos, a resistência é proporcional à importância dos resultados previstos, pois, quanto maior for a ideia, tanto maior será o número de interesses ameaçados. Se for notoriamente falsa, considerada sem consequências, ninguém se perturbará com ela, e a deixam passar, sabendo que não tem vitalidade. Mas se for verdadeira, se assentada em uma base sólida, se preveem futuro para ela, um secreto pressentimento adverte seus opositores de que ela é um perigo para eles e para a ordem das coisas em cuja manutenção estão interessados. Eis por que se lançam contra ela e contra seus seguidores.
A medida da importância e dos resultados de uma ideia nova se encontra, assim, na agitação emocional que seu aparecimento provoca, na violência da oposição que ela desperta, na intensidade e persistência da raiva de seus adversários.
13. Jesus vinha proclamar uma doutrina que destruiria pelas bases os abusos nos quais viviam os fariseus, os escribas e os sacerdotes de seu tempo; por isso o fizeram morrer, acreditando que, matando o homem, matariam a ideia, mas a ideia sobreviveu, porque era verdadeira.
Cresceu, porque estava nos desígnios de Deus, e, nascida numa pequena vila da Judéia, foi plantar sua bandeira na própria capital do mundo pagão de frente a seus inimigos mais sanguinários, daqueles que tinham o maior interesse em combatê-la, pois aniquilava as crenças seculares a que muitos se apegavam, mais por interesse do que por convicção. Lutas das mais terríveis esperavam aí seus apóstolos; as vítimas foram inumeráveis, mas a ideia cresceu sempre e saiu triunfante porque superava, como verdade, suas antecessoras.
14. É preciso observar que o Cristianismo apareceu quando o paganismo estava em decadência e se debatia contra as luzes da razão. Praticavam-no ainda por formalidade, mas a crença havia desaparecido e apenas o interesse pessoal o sustentava. O interesse é persistente; ele nunca cede à evidência; irrita-se cada vez mais, quanto mais claros e objetivos são os raciocínios que se lhe opõem e que melhor demonstram seu erro. Sabe muito bem que está errado, mas isso não o abala, visto que na sua alma não há verdadeira fé. O que mais o amedronta é a luz que abre os olhos aos cegos. O erro lhe é proveitoso; eis por que se aferra a ele e o defende.
Sócrates também não tinha formulado uma doutrina semelhante, até certo ponto, à do Cristo? Por que ela não prevaleceu naquela época, em meio a um dos povos mais inteligentes da Terra? É porque o tempo ainda não havia chegado; ele semeou em uma terra não preparada; o paganismo não estava suficientemente desgastado. O Cristo recebeu sua missão providencial no tempo determinado. Nem todos os homens de seu tempo estavam à altura das ideias cristãs, mas havia um clima mais favorável para assimilá-las, porque já se começava a sentir o vazio que as crenças vulgares deixavam na alma. Sócrates e Platão haviam aberto o caminho e preparado os Espíritos.
15. Infelizmente os adeptos da nova doutrina não se entenderam quanto à interpretação das palavras do Mestre, a maior parte dissimulada por alegorias e figuras de linguagem. Daí nasceram, de imediato, numerosas seitas que pretendiam ter, com exclusividade, a verdade, e por séculos não puderam entrar em acordo. Esquecendo-se do mais importante dos ensinamentos divinos, aquele sobre o qual Jesus havia feito a pedra angular do seu edifício e a condição expressa da salvação: a caridade, a fraternidade e o amor ao próximo, essas seitas se amaldiçoaram mutuamente e arremeteram-se umas contra as outras, as mais fortes esmagando as mais fracas, afogando-as no sangue, nas torturas e na chama das fogueiras. Os cristãos, vencedores do paganismo, de perseguidos passaram a perseguidores; foi a ferro e fogo que plantaram a cruz do Cordeiro sem mácula nos dois mundos. É um fato comprovado que as guerras religiosas foram mais cruéis e fizeram mais vítimas do que as guerras políticas; nelas cometeram-se mais atrocidades e barbarismo do que em qualquer outra.
Estaria o erro na doutrina do Cristo? Não, certamente, pois ela condena formalmente toda violência. Disse Ele alguma vez, aos seus discípulos: Ide matar, massacrar, queimar aqueles que não acreditarem como vós? Não. Ele lhes disse exatamente o contrário: Todos os homens são irmãos, e Deus é soberanamente misericordioso; amai vosso próximo; amai vossos inimigos; fazei o bem àqueles que vos perseguem. Ele ainda lhes disse mais: Quem matar pela espada perecerá pela espada. A responsabilidade não está, portanto, na doutrina de Jesus, mas naqueles que a interpretaram falsamente e dela fizeram um instrumento para servir às suas paixões, ignorando estas palavras: Meu reino não é deste mundo.
Jesus, em sua profunda sabedoria, previu o que devia acontecer. Estas coisas eram inevitáveis, pois decorriam da inferioridade da natureza humana, que não podia transformar-se instantaneamente. Foi preciso que o Cristianismo passasse por essa longa e cruel prova de dezoito séculos para mostrar toda sua força, porque, apesar de todo mal cometido em seu nome, dela saiu puro; nunca esteve em questão. A censura sempre recaiu sobre aqueles que dele abusaram e, a cada ato de intolerância, sempre se disse: Se o Cristianismo fosse melhor compreendido e melhor praticado, isso não teria acontecido.
16. Quando Jesus disse: Não acrediteis que vim trazer a paz, e sim a divisão, seu pensamento era este:
“Não acrediteis que minha doutrina se estabeleça pacificamente. Ela trará lutas sangrentas, tendo por pretexto o meu nome, porque os homens não terão me compreendido ou não terão querido me compreender. Os irmãos, separados por suas crenças, lançarão a espada uns contra os outros, e a divisão reinará entre os membros de uma mesma família que não tiverem a mesma fé. Vim lançar o fogo à Terra para limpá-la dos erros e dos preconceitos, como se coloca fogo em um campo para destruir as ervas ruins, e tenho pressa de que se acenda para que a purificação seja mais rápida, pois a verdade sairá triunfante desse conflito. À guerra sucederá a paz; ao ódio dos partidos, a fraternidade universal; às trevas do fanatismo, a luz da fé esclarecida. Então, quando o campo estiver preparado, Eu vos enviarei o Consolador, o Espírito de Verdade, que virá restabelecer todas as coisas, ou seja, fazer conhecer o verdadeiro sentido de minhas palavras, que os homens mais esclarecidos poderão, enfim, compreender, pondo fim às lutas fratricidas* que dividem os filhos do mesmo Deus. Cansados, enfim, de um combate sem solução, que só acarreta desolação e leva o distúrbio até o seio das famílias, os homens reconhecerão onde estão seus verdadeiros interesses para este mundo e para o outro. Eles verão de que lado estão os amigos e os inimigos de sua tranquilidade. Todos então virão se abrigar sob a mesma bandeira: a da caridade, e as coisas serão restabelecidas na Terra de acordo com a verdade e os princípios que vos ensinei.”
17. O Espiritismo vem realizar no tempo determinado as promessas do Cristo. Entretanto, não pode fazê-lo sem antes destruir os erros. Como Jesus, ele encontra o orgulho, o egoísmo, a ambição, a cobiça, o fanatismo cego que, cercados em suas últimas trincheiras, tentam barrar-lhe o caminho e erguem obstáculos, entraves e perseguições; eis porque também ele precisa combater. O tempo das lutas e das perseguições sangrentas acabou, porém aquelas que ele terá de enfrentar são todas de ordem moral, e o fim de todas elas se aproxima.
As primeiras lutas do Cristianismo duraram séculos. Estas que o Espiritismo enfrentará durarão apenas alguns anos, porque a luz, ao invés de partir de um único foco, surge de todos os pontos do Globo e abrirá mais depressa os olhos aos cegos.
18. As palavras de Jesus devem, portanto, ser entendidas como referentes às discórdias que Ele previa, que sua doutrina iria provocar, aos conflitos momentâneos que surgiriam como consequência, e às lutas que teria de enfrentar antes de firmar-se, tal como aconteceu aos hebreus antes de sua entrada na Terra da Promissão, e não como decorrência de um propósito premeditado de sua parte para semear a desordem e a confusão. O mal viria dos homens e não d'Ele. Era como o médico que veio curar, mas cujos remédios provocam uma crise salutar, removendo os males do doente.

* N. E. - Fratricida: assassinato entre irmãos.

Diante da multidão

“E Jesus, vendo a multidão, subiu a um monte...” –
(Mateus, 5:1.)

O procedimento dos homens cultos para com o povo experimentará elevação crescente à medida que o Evangelho se estenda nos corações.
Infelizmente, até agora, raramente a multidão tem encontrado, por parte das grandes personalidades humanas, o tratamento a que faz jus.
Muitos sobem ao monte da autoridade e da fortuna, da inteligência e do poder, mas simplesmente para humilhá-la ou esquecê-la depois.
Sacerdotes inúmeros enriquecem-se de saber e buscam subjugá-la a seu talante.
Políticos astuciosos exploram-lhe as paixões em proveito próprio.
Tiranos disfarçados em condutores envenenam-lhe a alma e arrojam-na ao despenhadeiro da destruição, à maneira dos algozes de rebanho que apartam as reses para o matadouro.
Juizes menos preparados para a dignidade das funções que exercem, confundem-lhe o raciocínio.
Administradores menos escrupulosos arregimentam-lhe as expressões numéricas para a criação de efeitos contrários ao progresso.
Em todos os tempos, vemos o trabalho dos legítimos missionários do bem prejudicado pela ignorância que estabelece perturbações e espantalhos para a massa popular.
Entretanto, para a comunidade dos aprendizes do Evangelho, em qualquer clima da fé, o padrão de Jesus brilha soberano.
Vendo a multidão, o Mestre sobe a um monte e começa a ensinar...
É imprescindível empenhar as nossas energias, a serviço da educação.
Ajudemos o povo a pensar, a crescer e a aprimorar-se.
Auxiliar a todos para que todos se beneficiem e se elevem, tanto quanto nós desejamos melhoria e prosperidade para nós mesmos, constitui para nós a felicidade real e indiscutível.
Ao leste e ao oeste, ao norte e ao sul da nossa individualidade, movimentam-se milhares de criaturas, em posição inferior à nossa.
Estendamos os braços, alonguemos o coração e irradiemos entendimento, fraternidade e simpatia, ajudando-as sem condições.
Quando o cristão pronuncia as sagradas palavras “Pai Nosso”, está reconhecendo não somente a Paternidade de Deus, mas aceitando também por sua família a Humanidade inteira.

Livro Fonte Viva – Espírito Emmanuel – Médium Francisco Cândido Xavier.

Nenhum comentário:

Postar um comentário